1. Introdução: A Promessa do 5G e os Desafios da Latência
A concepção do 5G foi fundamentada em três pilares: altíssima velocidade, capacidade massiva e, principalmente, latência ultrabaixa. Esta última, na faixa de 1 a 10 milissegundos (ms), é o que possibilita aplicações críticas, como cirurgias remotas, controle de robótica industrial e comunicação V2X (veículo para tudo) para carros autônomos entre outras.

Figura 1 – Três dimensões de melhorias de desempenho com cenários de uso para 2020 e além [1].
2. Latência: O Gap Crítico entre Redes
A latência, ou Round Trip Time (RTT), é a métrica que expõe a diferença fundamental entre as redes terrestres e espaciais, representando o tempo total que um pacote de dados leva para ir da origem ao destino e voltar, refletindo diretamente a velocidade de resposta percebida em uma comunicação de rede. Enquanto o 5G Terrestre atinge o limiar de latência ultrabaixa para aplicações em tempo real na ordem de 1ms entre o UE – User Equipment (dispositivo do usuário) e a estação rádio base, o NTN introduz atrasos significativamente maiores. O tipo de órbita do satélite determina a magnitude desse atraso:

Tabela 1 – Atraso de propagação do dispositivo do usuário para o satélite [2].
3. O Delay Diferencial: O Desafio Físico e os Impactos nos Protocolos
O delay diferencial é definido como a variação dinâmica no tempo de propagação do sinal. Em NTN baseadas em LEO e MEO, esta variação é causada principalmente pelo movimento rápido do satélite (que pode atingir 7,5 km/s) e pelas diferentes distâncias até os UEs dentro da mesma área de cobertura (borda vs. zênite). O problema é agravado pelo efeito Doppler dinâmico, que impõe uma variação de frequência que a rede deve compensar.
Esses fenômenos físicos inerentes do uso de satélites vão contra a premissa de estabilidade e previsibilidade que sustenta os protocolos 5G Terrestres, alguns deles destacados a seguir:
- Sincronização (Timing Advance – TA): O 5G exige que os sinais dos UEs cheguem à estação base (gNB) no tempo correto. Com o satélite em movimento, a distância e, consequentemente, o atraso variam constantemente, tornando o ajuste do TA uma tarefa dinâmica e difícil de prever. Falhas resultam em interferência grave entre UEs.
- Controle de Retransmissão (HARQ e RLC): Os protocolos da Camada 2 (Radio Link Control – RLC) e da Camada Física (Hybrid Automatic Repeat Request – HARQ) são o coração da confiabilidade do 5G. Eles dependem de um ciclo de feedback rápido (baixo RTT). Com o atraso de centenas de ms, o ciclo de HARQ se torna ineficiente, pois a retransmissão só é solicitada e enviada muito tempo depois, impactando a taxa de transferência e a latência efetiva. Os timers do RLC (responsável pela retransmissão de pacotes perdidos) também expiram prematuramente ou muito tarde no ambiente de RTT variável.
- Agendamento (Scheduling): As decisões de alocação de recursos são baseadas em informações de feedback recebidas da Camada Física do UE. Devido ao longo RTT, o “agendador” (scheduler) do gNB toma decisões usando informações que já estão obsoletas, comprometendo a eficiência e a qualidade de serviço (QoS – Quality of Service).
4. Soluções de Engenharia e o Roteiro 3GPP para NTN
A resposta do 3GPP (3rd Generation Partnership Project) ao delay diferencial foca em duas áreas principais: adaptação inteligente de protocolos e evolução radical da arquitetura espacial.
4.1. Otimização de Protocolos (Mitigando a Variação do RTT)
Os esforços do 3GPP (especialmente nas Releases 17 e 18) concentram-se em compensar o atraso sem alterar fundamentalmente o padrão NR (New Radio) [3]:
- Sincronização Preditiva (Efemérides): Em vez de tentar reagir ao atraso, a rede utiliza a Efemérides — dados orbitais precisos e preditivos do satélite — e o tempo de epoch para calcular o atraso de propagação esperado. Isso permite que o gNB (estação radio base 5G) determine o timing advance de forma proativa e instrua o UE a transmitir o sinal um tempo antes (TA ajustado), garantindo que o pacote chegue ao satélite no momento correto, compensando o movimento e o delay diferencial.
O SIB19 no 5G NTN fornece informações essenciais para o UE, como dados de efemérides, parâmetros comuns de TA e validade do tempo de sincronização, facilitando a seleção de satélites, handovers suaves entre feixes e a alocação eficiente de recursos na rede. Isso garante que o UE tenha dados atualizados para otimizar a comunicação e melhorar a eficiência da rede satelital.

Figura 2 – SIB 19 necessária para sincronismo do UE com satélite em redes 5G NTN [4].
- Aprimoramento do Controle de Erros:
- Priorização de FEC: Para evitar o ciclo lento de retransmissão do HARQ/ARQ, as NTN confiam mais no FEC – Forward Error Correction. O FEC insere redundância nos dados na fonte, permitindo que o receptor corrija erros sem necessitar do lento ciclo de feedback, crucial para mitigar o impacto do RTT.
- Ajuste de Timers e Buffers: Os timers no RLC e os buffers da Camada 2 devem ser configurados com valores significativamente maiores (milhares de ms) do que os valores terrestres, para evitar que o sistema declare a perda de conexão devido ao atraso normal.
- Mobilidade Aprimorada (Rel-18): O Release 18 introduziu melhorias no gerenciamento de mobilidade e posicionamento, otimizando o handover entre as células satelitais em movimento. Além disso, a Rel-18 foca na gestão de cobertura descontínua, otimizando o consumo de energia do UE ao prever e comunicar à rede quando o dispositivo estará acessível.
4.2. Evolução na arquitetura (Reduzindo o RTT Real)
A única maneira de reduzir o RTT real para aplicações sensíveis à latência é encurtar o caminho do sinal. Para tal, dentre as soluções propostas pelo 3GPP destacam-se as seguintes:
- Transição para a Arquitetura Regenerativa (OBP): A transição para a arquitetura regenerativa representa uma evolução significativa nas redes 5G via satélite. Na arquitetura transparente (Bent-Pipe) do Release 17, o satélite atua apenas como um repetidor simples, encaminhando os sinais para gateways terrestres onde o processamento é realizado, o que aumenta a latência devido ao tempo de ida e volta ao solo em cada salto. Já na arquitetura regenerativa (Release 19 e além), o satélite incorpora o Processamento a Bordo (OBP – On-Board Processing), hospedando funções da estação base 5G (gNB), permitindo que protocolos essenciais das camadas 1 e 2 sejam processados diretamente no satélite, reduzindo drasticamente a latência e melhorando a eficiência da comunicação [5]. A figura a seguir ilustra esses dois tipos de arquitetura.

Figura 3 – Redes satelitais transparentes e regenerativas [5].
- Links Intersatélite (ISLs) e Edge Computing: A arquitetura OBP facilita o uso de Links Intersatélite (ISLs – Inter Satellite Links), criando rotas diretas no espaço e eliminando a necessidade de descer ao gateway terrestre em cada salto de satélite. Ao hospedar as funções gNB no satélite, a arquitetura traz a computação de borda (Edge Computing) para o ambiente não terrestre, processando dados críticos mais próximos do usuário e reduzindo a latência para aplicações sensíveis ao tempo.

Figura 4 – Link entre satélites [6].
O delay diferencial é o desafio final imposto pela física à conectividade 5G global. O sucesso das Redes Não Terrestres não se limita apenas à expansão de cobertura, mas à capacidade da engenharia de telecomunicações de anular ativamente as limitações de velocidade da luz.
Através de mecanismos de sincronização preditiva baseados em Efemérides e da transição ousada para arquiteturas regenerativas e processamento a bordo, o 5G via satélite está sendo adaptado para oferecer um serviço mais resiliente e de menor latência. Essa inovação garantirá que a promessa de latência ultrabaixa do 5G possa ser estendida a todos os cantos do planeta, independentemente de onde o usuário esteja.
7. Referências
[1] 3GPP. The path to 5G: as much evolution as revolution. Disponível em: https://www.3gpp.org/news-events/3gpp-news/5g-wiseharbour. Acesso em: 03 out. 2025.
[2] ATARC Secure 5G Working Group. Non-Terrestrial Networks: A Position Paper on Why These Networks are Important to the Federal Government. White paper, 17 set. 2024. Disponível em: https://atarc.org/wp-content/uploads/2024/09/atarc-secure-5g-ntn-white-paper-17-sept-2024-final-pdf.pdf. Acesso em: 03 out. 2025.
[3] 5G AMERICAS. 3GPP Technology Trends – White Paper 1. 2024. Disponível em: https://www.5gamericas.org/wp-content/uploads/2024/01/3GPP-Technology-Trends-WP.pdf. Acesso em: 06 out. 2025.
[4] TECHPLAYON. System Information 19 – SIB19 For 5g Satellite NTN. Disponível em: https://www.techplayon.com/sib19-for-5g-satellite/. Acesso em: 06 out. 2025.
[5] DEATON, Juan. Network operators anchor on 5G. Kratos Space, 5 set. 2023. Disponível em: https://www.kratosspace.com/constellations/articles/network-operators-anchor-on-5g. Acesso em: 07 out. 2025.
[6] ROHDE & SCHWARZ. 5G non-terrestrial networks evolving towards 6G. [S.l.], fev. 2023. Disponível em: https://cdn.rohde-schwarz.com.cn/pws/dl_downloads/dl_common_library/dl_brochures_and_datasheets/pdf_1/Presentation_slide_230223.pdf. Acesso em: 08 out. 2025.